Boa noite, vizinhança


Na minha rua tem uma casa com o muro muito baixo. Mais de uma, na verdade, mas essa se destaca por seus moradores. Poucas foram as vezes que passei em frente a esta curiosa residência e não tinha ali um cidadão, parado, com a cabeça numa altura acima dos tijolos, espiando o que acontece do lado de fora. Está certo que há anos a expressão afirma que a grama do vizinho é sempre mais verde. Mas é mesmo assim, tão imprescindível, a ficar observando crescer?

Aceita que dói menos: a gente mora no centro! Do lado de fora não tem grama. Não tem nem uma erva daninha sequer! Do lado de fora só tem asfalto e carros passando a uma velocidade lancinante desde que arrancaram aquela saudosa lombada nos anos 90.

Mais adiante vive uma vizinha que só me cumprimenta quando quer. Não me pergunte quais são os parâmetros adotados por ela para decidir se hoje é ou não um bom dia para botar as boas maneiras para jogo. Nós temos praticamente a mesma idade e eu a conheço (de vista) desde pequenos. Até sei identificar quem é ela e quem é sua irmã, por mais que as duas sejam prova irrefutável de que Ctrl C + Ctrl V não é apenas um comando no seu teclado. Ainda assim, ela não sabe valorizar esta minha pequena-grande proeza e muitas vezes me ignora.

Nem sofro.

Sei que pode parecer que não estou dizendo a verdade, mas é sério. Juro. Só acho que a política da boa vizinhança não custa nada. Mas, tudo bem, eu posso conviver com isso e meu coração continua aberto. Afinal, foi acompanhando a vida de um outro grupo de vizinhos excêntricos que aprendi que "a vingança nunca é plena: mata a alma e a envenena" e que "as pessoas boas devem amar seus inimigos".

Num mundo em que a falta de argumentos leva as pessoas a compararem e discutirem agressivamente sobre duas grandes tragédias, não era de se esperar uma postura menos individualista. O debate é sempre solitário, nas redes sociais. Nunca olho no olho. Seria estranho demais.

E aí, qual foi pior? Mariana ou Paris?

Vamos combinar uma coisa: dor, perda e sofrimento não se medem, está certo? Portanto, em vez de comparar as duas situações, opte por não dizer nada. É como diz o velho ditado, "melhor ficar calado e deixar que as pessoas pensem que você é um idiota, do que abrir a boca e acabar com a dúvida".

Em todo caso, se resolver expor o que pensa, talvez seja melhor começar numa esfera um pouco mais reduzida. Olhando ao seu redor. Conhecendo quem está ao seu lado todos os dias e nem ao menos é notado. Pode ser este o caminho para que a realidade comece a mudar e possamos evitar dramas tão terríveis, causados unicamente pelo egocentrismo humano. Como aqueles mostrados nos noticiários ultimamente.

Bom mesmo seria se trocássemos a casa de parede baixa por um barril, as irmãs idênticas por 14 meses de aluguel e o asfalto da rua por um pézinho de cherimoia. De repente, assim, a gente levava a galera toda para umas férias em Acapulco e todo mundo aprendia a dizer "bom dia" e a interagir de verdade uns com os outros. Como pessoas, sabe? E não como artigos estranhos e desconhecidos numa feira qualquer no Marrocos.

Deve ser melhor do que só espiar o movimento por cima do muro...



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