Gato de Cheshire


Artista come. Artista bebe. Artista paga imposto e tem contas a acertar. Acredite ou não, artista também é gente.  Não estamos no país das maravilhas, Alice. Sei que soa bizarro ou antinatural, mas artista também é filho de Deus.

Boa parte do desrespeito contra atores e atrizes, por exemplo, é que não há reconhecimento algum por seus trabalhos. E, como num jogo de cara ou coroa onde os dois lados valem por igual: não há respeito de nenhuma das partes envolvidas. Nem mesmo da própria classe artística, que se sujeita aos piores tipos de condições trabalhistas unicamente para ganharem (pouco) dinheiro. E se submete às corriqueiras patifarias oferecidas por determinados contratantes por medo de que portas se fechem.

Certa vez aceitei um trabalho. Um "job"*, como dizem com prepotência e arrogância aquelas secretárias de agência tentando ser superiores, tietando Emily, a ajudante nojenta e antiética de Meryl Streep em "O Diabo Veste Prada". Marcaram de estar no set às 5h da manhã. Sim, nem as galinhas ainda estavam em pé. Quem me acompanha sabe que ando de ônibus. Oi, sou ator: não tenho dinheiro - não sei dirigir. Fiz meu pai levantar de madrugada para me dar carona, porque o primeiro horário do transporte público seria as 5h30. Sabe quantas pessoas da equipe estavam lá no momento combinado? Duas. De uma turma com mais de vinte.

Cerca de uma hora e meia depois chegaram três vans bonitas e pomposas. Recheadas de pessoas que, assim como eu, trabalhariam no "job". Pessoas que tiveram o privilégio de dormir uma hora e meia a mais e não precisaram incomodar seus parentes no meio da noite. Pessoas que não gastaram um centavo para estar ali. Pessoas contratadas pelo mesmo lugar que eu, mas, por algum motivo, privilegiadas.

O trabalho em si teve início às 9h. Por volta de quatro horas corridas após minha chegada ao local. Durou 40 minutos. Sebe o que aconteceu depois? Quase duas horas de ócio total. Motivo? Meus maravilhosos companheiros de elenco queriam ficar ali, fazendo droga nenhuma, simplesmente para demonstrar serviço e disponibilidade. Ora, manter as aparências e garantir os próximos "jobs" é imprescindível, não? ;) Aí você me pergunta, "Mas, Tiago? O que você tinha com isso?" Te respondo... Precisava da carona da van para voltar embora. Pobre é mesmo uma bosta.

Resumo da experiência: Equipe seca. Patotinhas que não olhavam na minha cara. Comida só depois dos VIPs se alimentarem primeiro. Desespero em meus pensamentos. "Por Deus, em que ano estamos? Será que não percebi que, quando acordei às 3h30 da manhã, um grande portal do tempo se abriu e me jogou direto, de novo, no ensino fundamental em 1999?"

Queria chorar. Queria sumir. Queria morrer. Ou os três ao mesmo tempo. Nunca tinha me sentido tão humilhado (e olha que já cheguei a trabalhar até de boneco de cabeção dos Backyardigans).

Mas, espera, o que aconteceria se estivéssemos no país das maravilhas? Alice meteria um pedaço de cogumelo goela abaixo, cresceria em proporções colossais e esmagaria a todos numa pisada só. Menos a mim, é claro, porque seríamos amigos. Alice só é amiga de pessoas legais, profissionais e descoladas, como eu.

Eu, que não tenho cogumelos para comer, crescer ou diminuir, vou seguindo o exemplo de outra personagem, o Gato de Cheshire. Sorrindo e sorrindo, apenas. Mesmo que só para as câmeras. Afinal, não estamos no país das maravilhas, Alice. E você precisa daqueles 100 reais.



*Por favor, sempre que ler essa palavra ao longo do texto, imagine minha voz sem nenhuma vontade de estar vivo. Grato.



É pavê?


Hoje acordei às seis da manhã e, lá ao fundo, ouvi um galo cantando. (Des)vantagens de se viver no interior, meu caro. Em todo caso, o fato é: na manhã do dia primeiro de outubro de dois mil e quinze eu ACORDEI. Mas... E o cara do Green Day?! Setembro não termina em paz caso alguém não acorde o Billie Joe Armstrong. Bom, pelo menos é o que indica meu feed de notícias do Facebook quase sempre que o décimo mês se inicia. É incrível como as pessoas adoram esta piadinha! Mais incrível ainda é como ela deu uma sumida nos últimos tempos.

Na verdade, sou suspeito para falar, pois sempre fui adepto de "piadas ruins é que são boas". Resumidamente, sou um imbecil. E digo isto com orgulho! Adoro trocadilhos, dizeres infames e aqueles vídeos que o povo compartilha de crianças tomando susto, que todo mundo diz "que judiação", mas no fundo eu estou passando mal de tanto rir.

Eu amo as crianças! Não é delas que eu rio, mas sim daquela música do Titanic que toca ao fundo quando o menino é espancado pelo brinquedo de um parque de diversões e sai com os braços estirados, pendurado no mecanismo de lona e espuma. Hão de convirem comigo que é, tipo, MUITO engraçado!

Para mim Natal não é Natal sem a piada do "é pavê ou pá cumê"? Desta forma, já não tenho um fim de ano digno desde que minha família decidiu substituir o pavê por bolos ou pudins. Nada contra, MAS E A PIADA, POXA?! Só porque ela viralizou não significa que deixou de ser boa. Os tempos vão passando e muitas das boas e velhas tradições (como a piada do pavê ou aquela sobre "Wake Me Up When September Ends") vão sendo trocadas por outras - engraçadas, mas não de igual valor. Tem uma explicação!

Antes que Luiza Marillac saísse da pior tomando seus "bons drink" neste verão maravilhoso da Europa, Marcos "tacasse le pau" em seu carrinho no morro da vó Silvelina e MC Melody dominasse as paradas de sucesso com "um dos falsete mais difícil" (ao som de "Oh, happy day, mam-tchissus-wash"), outro item viralizou em grande escala. E é ele o responsável pela troca das piadas boas/ruins de geração em geração. Os meios de comunicação.

Uma das primeiras correntes teóricas da comunicação foi a Escola de Chicago, os funcionalistas, nos Estados Unidos. Independentemente de sermos adeptos (ou não) de suas teorias, elas devem ser levadas em consideração. A "Teoria da Agulha Hipodérmica", por exemplo, defende que uma informação, quando bem trabalhada, pode exercer domínio, até mesmo emocional, sobre indivíduos que, por sua vez, seriam facilmente manipuláveis. A hipótese também pode ser chamada de "Bala Mágica", como se a população ingerisse um pequeno doce e se tornasse um alvo fácil no qual implantar interesses políticos e econômicos de figuras "superiores".

Nascia, então, a Era da Cultura de Massa. Mais tarde também carinhosamente apelidada de "Geração Coca Cola". Não é difícil imaginar que esta (enorme) parcela de sujeitos passou a pensar, comprar e votar em verdades únicas e absolutas às quais foi apresentada pela mídia. E a tomar conclusões precipitadas, é claro. Quem acredita que os homens vão aumentar, desenfreadamente, o consumo hídrico agora que a NASA descobriu evidências de água corrente em Marte põe o dedo aqui, que já vai fechar. Ou que já estão pensando em estratégias para mudar de planeta!

Mas em Marte não tem vida. Pelo menos não comprovada, ainda. Consequentemente, não tem meios de comunicação em massa. Não tem vídeos de Felipe Smith em Guarapari (Búzios é sua arte). E não tem uma geração viciada na piada do "é pavê ou pá cumê". Ou seja, a vida lá, por enquanto, não vale a pena (e deve ser bem sem graça).

PS: Por favor, alguém acorde o vocalista do Green Day antes que seja tarde demais. Obrigado.