Quatro reais
Existem certas coisas que não mudam, é uma lei do universo, não adianta pensar o contrário. Um: picaretas serão picaretas. Quem mentiu uma vez para tirar vantagem de você, vai fazer isso quantas vezes forem necessárias e convenientes. Dois: sempre que você estiver com pressa, um velhinho vai aparecer em sua frente e bloquear o caminho a passos de formiguinha. Três: Super Nintendo é e sempre será o melhor videogame do mundo (chupa Xbox). Quatro: nas festas da minha família, a sobremesa número um sempre vai ser um bolo de abacaxi. E cinco: o outono. Ele é sempre igual, as folhas caem no quintal.
Ah, tem mais uma coisa: eu sempre vou acabar trocando uma ideia com uma pessoa que, de alguma forma, aparentar ser "oprimida".
Para cada um dos tópicos acima, eu poderia escrever um livro. E olha que são apenas alguns de uma infinidade, a ponto de bater a Barsa no quesito "número de volumes". Mas vamos focar neste último, os oprimidos.
Certa vez eu estava num restaurante de comida japonesa. Já era tarde de uma quarta-feira a noite, não tinha quase ninguém lá dentro. Era quase véspera de ano novo, então as ruas também estavam bem vazias. Um homem que passava na calçada entra no restaurante em que eu estava e me pede dinheiro para comprar comida. Eu tinha quatro reais na carteira. Dois foram para ele.
Na semana seguinte um moço me parou em frente à rodoviária. Me disse que tinha acabado de sair da prisão e que estava doido para conseguir logo o dinheiro da passagem e ir para casa ver os filhos. Eu tinha dois reais na carteira. Dois foram para ele.
Ambos podem ter inventado tudo e usado a grana para qualquer outra coisa. Mas eu preferi acreditar na palavra deles e fiz minha parte. Se eram mentiras, não posso fazer nada. Eu também preferiria dar comida em vez de dinheiro, mas creio que, nesse caso, quatro reais não me fariam nem mais rico, nem mais pobre.
Há alguns anos atrás fui com uns amigos fazer um piquenique no Parque do Ibirapuera. Tinha comida pra caramba, o bastante para deixar um Snorlax farto. Guardamos o que sobrou nas mochilas e fomos dar uma volta pela cidade. Em frente a um shopping havia uma mãe e um filho, sentados no chão, pedindo. Tiramos das bolsas toda a comida que sobrou e demos a eles. Foi então que o menino, emocionado e super feliz por finalmente tirar a barriga da miséria, me pergunta: "mas e vocês, vão ficar sem comer nada?". Aquela frase me atingiu os ouvidos como uma lança recém afiada. Não preciso dizer que foi só uma questão de segundos até que o Tiaguinho saísse chorando Avenida Paulista afora, não é?
E tudo isso para chegarmos ao último caso: dois dias atrás. Estava esperado um ônibus passar, com o celular na mão, olhando fixamente para o aparelho, como um bom cidadão do século XXI que sou. Um homem para em minha frente e começa um diálogo.
- Você tem uma moedinha para eu pegar o ônibus? - Ele sorriu e eu pude, claramente, ver os únicos quatro dentes que ainda lhe restavam na boca. Se você tem mais, agradeça a Deus.
- Desculpa, amigão. Só tenho o cartão de passe.
- Obrigado, não tem problema. - E ficou parado em minha frente.
- Vou ficar te devendo. - Dei uma risadinha, meio sem saber o que falar enquanto guardava o celular no bolso, já percebendo que ele ainda não estava disposto a sair dali e, provavelmente, puxaria algum assunto.
- Não está me devendo nada não, até parece. Só de ter me respondido, já é alguma coisa.
- Por que?
- As pessoas não falam mais com a gente. Parece que têm medo, sei lá.
- Não é medo não. É que as pessoas estão muito sem educação mesmo. - Disse eu numa tentativa de fazer com que o cara não se sentisse uma espécie de monstro da sociedade.
- Mas você não tem medo, né? - Ele rebateu, parecendo nem cogitar a hipótese mentirosa que eu havia levantado.
- Não tenho não.
- Só essa atenção que você me deu já valeu muito. Qual seu nome?
- Tiago. E do senhor?
- Milton.
Trocamos mais algumas palavras e ele foi embora.
Não estou pedindo para você dar seus últimos trocados para um estranho na rua em vez de comprar o leitinho das crianças. Nem sou ninguém para te dizer o que fazer. Tampouco sou a Madre Tereza de Calcutá. Mas este texto é só para te alertar de que, às vezes, dois minutos de atenção podem mudar o dia de alguém para melhor.
Obrigado, Milton. Por ter mudado o meu.