A arte de ser trouxa
Foi aí que eu me peguei pisando em ovos na hora de falar bem de alguém. Quando foi mesmo que isso ficou tão difícil? Para fazer o contrário, o processo é bem mais descomplicado. Você abre a boca, tira aquela trava que o superego teima em colocar debaixo de sua língua, e pronto! Lá vem uma enxurrada de frases que até mesmo as tópicas da Psicanálise se embananariam para explicar. Até porque eu não sou Freud nem a mãe de ninguém para dar colo depois que algum bonitão ouviu umas verdades. Mas quando as palavras ditas são boas, é bastante ocorrente que se limitem só aos pensamentos daquele que seria o orador.
Acontece que falar coisas legais sobre outra pessoa se tornou uma espécie de oitavo pecado capital. "Aonde já se viu? E eu é que vou deixar o fulano feliz?" Caros, não é porque "eu" (metafórico, é claro) vivo infeliz que os outros também precisam passar por isso.
Foi pensando assim que eu me tornei um cara legal. Ou quase isso. Parei de me esforçar para não falar bem dos outros e deixei que os elogios viessem aos lábios toda vez que julguei que alguém precisava ouví-los. Botei na cabeça que "o mundo já tem críticos demais".
Em outras palavras, foi pensando assim que eu me tornei um trouxa.
Ah, essa arte eu domino! Nas prateleiras da minha casa sempre haverá espaços reservados para o papel de cartas, o papel toalha, o papel higiênico e, lógico, o papel de trouxa. Aprendi a me virar tão bem com este último, que até origami já estou fazendo. É que sou do tipo de cara que pede desculpas até para um manequim, quando esbarro num deles no shopping. Também já fiz o mesmo quando esbarrei em pessoas. A diferença foi que o manequim me respondeu. Mentalmente, é óbvio. Sou trouxa, mas ainda não preciso tomar Esquizofril, fique tranquilo.
Em todo caso, acho que o manequim seria mais gentil do que o homem se pudesse falar. Mesmo porque, se fosse um daqueles que ficam nas vitrines de uma grande e famosa rede de lojas de roupas, onde todos são laranjas ou azuis, ele não teria escolha. Sem preconceitos, mas verdade seja dita: gente feia precisa ser legal. Precisa! É uma questão de sobrevivência, senão você fica sem atributo e o mundo, meu amigo... É selvagem! E te engole. Se isso é válido para humanos, também é para manequins que, apesar produzidos com plástico, seriam mais tranquilos na hora receber um elogio. Não pensariam que isso é puxa-saquismo ou que existe algum tipo de segunda intenção velada pelas entrelinhas.
Mas nada muda o fato de que sou trouxa. E não estou falando de uma trouxinha pequenininha, tal qual aquela que o Chaves carrega num pau de vassoura quando vai embora da vila, não. A minha tem proporções faraônicas! Acho que se Zeus fosse embora do Monte Olímpio, aí sim teríamos uma trouxa equivalente.
Recentemente fui a uma espécie encontro religioso. Fui repor as energias, meditar e refletir sobre os caminhos que minha vida tem tomado. Cheguei lá e o assunto em debate era "família". O cara que presidia a reunião falava sobre como os laços espirituais são mais importantes do que os de sangue. E eu comecei a filosofar internamente sobre uma amizade que se afastou. Foram 10 anos e aí, do nada, a pessoa que eu chamava de irmã não estava mais lá. Assim, do nada mesmo! Sem mais, nem menos quem me chamava de "alma gêmea" tinha virado fumaça. Por alguns momentos cheguei a me sentir mal. "O que é que eu posso ter feito de errado?" Fiquei com isso na cabeça por alguns dias, me martirizando. E, por fim, resolvi procurá-la, mesmo sabendo que eu não tinha culpa no cartório.
Tamanha foi minha surpresa quando, ao acessar sua página no Facebook, verifiquei que tinha sido excluído. Eu! Aquele que esteve do lado dessa pessoa nos momentos mais difíceis. Sabe o que foi isso? Foi a vida! Me dando os parabéns. "Parabéns! Nos testes de elenco para o papel de trouxa, você será nosso protagonista!"
Num primeiro momento quis escrever verdades, que atuariam como verdadeiras bofetadas na cara. Mas aí lembrei de minha filosofia... "É, o mundo realmente já tem críticos demais". Mas eu não poderia deixar barato. Enviei, então, uma mensagem privada. Foram poucas palavras, desejando apenas o melhor e que cada um siga seu rumo. Afinal de contas, isso já era mais do que eu precisava ter feito. Vale lembrar que a pessoa em questão me deletou de uma rede social! Poxa vida, essa é a pior vingança que alguém pode ter no século XXI! Tão eficaz quanto mascar chiclete enquanto resolve uma equação de álgebra.
E fica aqui a lição que aprendi com tudo isso: quando tiver coisas boas a dizer sobre algo ou alguém, simplesmente diga. Se possível, estabelecendo uma conexão de olhos nos olhos. Nada é mais valioso do que isso! Tem muito mais peso do que um recado no Whatsapp ou uma colagem de fotos no Instagram. E quando as coisas que você tiver a dizer forem ruins, diga cara a cara também. Mas com cuidado. Você pode estar perdendo uma excelente oportunidade para ser uma pessoa melhor ou, no mínimo, civilizada.
Ah! E em hipótese alguma resolva seus problemas excluindo alguém do Facebook. Além de estar apenas varrendo a sujeira para baixo do tapete, isso ainda vai fazer com que muita gente duvide de sua inteligência. ;)